Confesso que quando abri o Khan el Khalili o meu conhecimento sobre chás limitava-se aos chás que bebia quando estava doente.
Quando frequentava outras casas árabes tinha sempre o azar de me aconselharem chás com muitas especiarias orientais, o que se traduzia em não conseguir beber, ou então beber e ficar mal disposta (o meu estômago é sensível). Então, na hora de escolher os chás para o Khan el Khalili só pensava que estava fora de questão ser como os chás árabes que já tinha experimentado, nunca iria conseguir vender algo que não conseguia beber.
Estou a começar por aqui para vocês verem o quanto era leiga nesta temática! Bem, o objectivo principal sempre foi ter um ou dois chás de origem egípcia e a restante carta conter infusões leves.
Ora aqui está, o primeiro à parte, chás ou infusões? Qual a diferença? Já vamos falar disto!
Consegui o meu primeiro fornecedor em Portugal com chás de todo o mundo, queria uma carta com chás variados.
Inicialmente comecei com cerca de 30 chás/infusões, a maioria com toque de frutos e especiarias, alguns mais simples outros mais complexos, enfim, chás para todos os gostos, chás para todos os dias do mês.
Ao longo do tempo fui percebendo quais eram os mais populares e reduzindo um pouco à lista. Às vezes muita oferta também gera muita dúvida na escolha e a maioria das vezes acaba-se a aconselhar dois ou três e o stock dos restantes foi acumulando.
Ora não sendo, até então, apreciadora fiel de chá, dei por mim a ter que aprofundar os meus conhecimentos. Diariamente deparava-me com perguntas às quais não sabia responder, perguntas de quem frequentava a casa e apreciava o maravilhoso mundo dos chás.
“Tem teína?”, “É calmante?”, “É muito doce?”, ” O que é rooibos?”
Bem, dá para perceber que a cada dificuldade que eu tinha em dar resposta lá ia eu ao sr. Google melhorar o meu conhecimento acerca dos chás.


Não posso dizer que estou perita mas resumi aqui um pouco do meu conhecimento, para quem, como eu, é curioso e gosta de saber o que está a beber e de onde vem as folhas do chá que bebemos.
A história do chá remonta aos tempos ancestrais, no território chinês. Entre as lendas que narram o nascimento desta bebida aromática, a mais célebre relata que as suas raízes se estendem até 5000 anos atrás, ao governo do imperador Sheng Nong, popularmente conhecido como o “curandeiro divino”.
O imperador, de forma a dizimar as pestes que assolavam constantemente o reino, ordenava ferver água antes de beber. Um dia acidentalmente enquanto fervia a sua água caíram umas folhas de uma planta que deram uma cor acastanhada à água e ele resolveu provar assim mesmo. Foi então que descobriu que o sabor era aprazível, difundindo assim o cultivo deste alimento entre os seus súbditos.
Por outro lado temos os indianos que atribuem o descobrimento ao príncipe Bodhi-Dharma, filho do rei Kasjuwo. Um dia o príncipe partiu em peregrinação rumo ao norte da Índia com o propósito de pregar o budismo ao longo do caminho, mas no final do caminho estava doente e fraco. Ouvindo as sugestões dos sábios recolheu algumas folhas de uma árvore especial, bebeu-a e curou-se atribuindo o remédio ao chá.
Mas histórias e mitos à parte vamos ao mais concreto.
A palavra chá surgiu do nome da planta “camellia sinensis” que é mundialmente utilizada para bebidas quentes. Na realidade os chás são as folhas desta planta e existem apenas quatro variedades; chá verde, chá preto, chá branco ou chá oolong. Todos os outros que se conhece são infusões.
A infusão é o líquido que resulta depois de se verter a água a ferver sobre folhas, que podem ser de chá ou frutos. Ou seja a grande maioria do que bebemos como sendo “chá” são na realidade infusões.
Depois temos a categoria do Tisana de infusão mas neste caso o líquido é coado e tem como base plantas medicinais, pode-se dizer que é “mais forte” e que tem, sobretudo, fins terapêuticos.
Quando pretendemos escolher um certo chá ou infusão, temos que ter em consideração diversos factores, nomeadamente os sabores; frutado, picante, adocicado, suave ou forte, e a razão pela qual a bebemos, para hidratar, para relaxar, para ganhar energia, entre outros, a altura do dia em que bebemos e como bebemos, ao pequeno almoço, em substituição do café, para levar para o caminho ou antes de dormir.
Existem vários benefícios no consumo regular de chás ou infusões. São fontes de hidratação, alguns possuem propriedades antioxidantes, há os que são substituto do café (que contém teína) e possuem características anti-virais e anti-bacterianas. Outros protegem os dentes e ajudam em estados de stress e insónia, muitos ajudam no processo de digestão e a melhor parte, não contém calorias.
Os chás como parte integrante de uma cultura.
No Khan el Khalili temos a preocupação de passar a maior informação que conseguimos no momento que é solicitado um dos nossos chás. A nossa carta neste momento está reduzida a cerca de 12 chás com características diferentes para corresponder ao pedido solicitado. Dizem que beber um chá pode alterar o estado de espírito e despoletar sensações, e eu não podia estar mais de acordo.
Tomar um chá é tido como um evento social em várias partes do mundo mas no Egipto faz parte de uma cultura milenar e o seu consumo tornou-se uma prática diária de bem estar. Aliás, o chá no Egipto é uma parte vital da etiqueta popular. O simples acto de beber um chá é muito mais do que a própria bebida em si, trata-se de reservar tempo para se sentar, saborear e socializar com os outros. Visitar a casa de outra pessoa, independentemente do nível sócio-económico ou da finalidade da visita, é obrigatório uma chávena de chá. Um apelido comum para o chá no Egipto é “dever” (pronunciado em árabe como “wajeb” ou “Wa-geb”, pois servir um chá a um visitante é considerado um dever e qualquer coisa acima disso é uma delicadeza.
O Egipto consome cerca de 65.000 a 75.000 toneladas de chá incluindo as importações de chá verde Earl, Assam e chás aromatizados.
O consumo médio per capita gira em torno de 800 a 1000 gramas. Como o Egipto não produz chá, este é principalmente cultivado e importado de outros países como Quénia e Sri Lanka.
Mas o principal foco nem está na qualidade do chá mas sim no acto em si. Ao contrário da cultura britânica ou chinesa, onde o chá é apreciado principalmente em horários específicos ou durante cerimónias complexas, o chá no Egipto é bebido de manhã, ao meio dia e à noite. Para os egípcios tomar um chá a seguir à refeições é fundamental, senão a refeição fica incompleta. Um dos chás mais populares é o chá preto com hortelã, que acaba sendo um bom substituto do café ou o chá Karkadeh da flor de hibisco, servido também com folhas de menta, que pode ser servido quente ou frio, como refresco. Este último dizem que era a bebida preferida dos faraós.
Na realidade o chá é a segunda bebida mais consumida depois da água e é comum ao percorrer as ruas do mercado do Khan el Khalili no Cairo, ver os vendedores à porta da sua loja a oferecer chá como forma de boas vindas para iniciar uma negociação/compra.
Em suma, aprender sobre a cultura do chá egípcio é um grande lembrete para desacelerar e valorizar as coisas simples da vida. Da próxima vez que beber um chá, sozinho ou acompanhado, lembre-se de se sentar, relaxar e usufruir do momento bem como os egípcios fazem.
Eu rendi-me ao mundo dos chás. E vocês, ficaram rendidos?